PARECER CFM no 53/15
INTERESSADO: Dr. S.F.O.
ASSUNTO: Epilepsia e condução de veículos automotores
RELATOR: Cons. Hideraldo Luis Souza Cabeça
EMENTA: A concessão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) a candidatos portadores de epilepsia poderá ser liberada conforme o disposto na Lei no 9.503/1997 e na Resolução CONTRAN no 267/2008.
DA CONSULTA: O Dr. S.F.O. solicita posicionamento do CFM sobre epilepsia e condução de veículos automotores.
DO PARECER:
1) Epilepsia é definida atualmente, de forma operacional, pela International League against Epilepsy (2014) como um quadro clínico caracterizado por:
A epilepsia é considerada resolvida para indivíduos que tenham síndromes epilépticas dependentes da idade, mas atualmente apresentam idade superior à idade referida nas síndromes, ou aqueles que permaneceram livres de crise nos últimos 10 anos, com nenhuma medicação antiepiléptica por 5 anos.
2) A Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, determina taxativamente “Art. 147. O candidato à habilitação deverá submeter-se a exames realizados pelo órgão executivo de trânsito, na seguinte ordem: I - de aptidão física e mental”.
3) A Resolução do CONTRAN no 267, de 15 de fevereiro de 2008, dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1o a 4o e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Essa resolução retirou a restrição “vedada atividade remunerada”, propiciando o direito legal à atividade profissional enquadrada na Categoria B (Condutor de veículos cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas, ou cuja lotação não exceda a 08 lugares, excluído o do motorista; contemplando a combinação de unidade acoplada reboque, desde que a soma dos dois não ultrapasse 3500 kg. Ex: automóvel, caminhonete, camioneta, utilitário) às pessoas com epilepsia.
Para propósitos epidemiológicos, uma pessoa com epilepsia se define como aquela com mais de uma crise de origem epiléptica em mais de uma ocasião, seja qual for a causa. As crises devem ser eventos separados no tempo e serem recorrentes.
Um Paciente com epilepsia não controlada que dirige tem risco de acidente, com consequente dano à propriedade, assim como lesão ou morte dele ou de outros.
Para muitos adultos, restrições para o ato de dirigir determinam intensas limitações para sua participação na escola, no local de trabalho e em atividades sociais, diminuindo de forma significativa sua independência e qualidade de vida.
Essas afirmações representam o conflito que existe entre a saúde pública e segurança versus a promoção de oportunidades e qualidade ótima de vida para os pacientes com epilepsia. Os pacientes com epilepsia falam que o ato de dirigir é sua mais importante preocupação.
A incidência de epilepsia varia mundialmente, com valores entre 11/100.000 a 134/100.000 habitantes. No Brasil, há poucos dados epidemiológicos sobre epilepsia. Um estudo populacional na região Sudeste do Brasil mostrou que a prevalência de epilepsia durante a vida foi de 9,2/1000 pessoas, e a prevalência de epilepsia ativa foi de 5,4/1000 pessoas. A prevalência era elevada nos indivíduos idosos (8,5/1000). Além disso, trinta e oito por cento dos indivíduos com epilepsia recebiam tratamento inadequado, e nas classes menos favorecidas, a prevalência também foi maior (7,5/1000 comparada com 1,6/1000 nas classes mais favorecidas). Os autores puderam concluir que a prevalência da epilepsia no Brasil é similar a outros países pobres, e seu tratamento ainda é muito falho.
As relações da epilepsia com o ato de dirigir, que exige aptidão física e mental, é complexa, pois é relativamente frequente um portador da doença não referir seu problema, com medo de
ter seu pedido indeferido para obtenção da carta de motorista. É fundamental que se procure normatizar da forma mais correta possível essa situação, no sentido de prevenir acidentes, seja para o paciente, seja para a comunidade.
Com o advento as drogas antiepilépticas, o controle da epilepsia passou a ser possível. As tentativas de permitir que o epiléptico viesse a dirigir surgiram nos Estados Unidos da América, e hoje essa postura existe em todo mundo. Porém, qualquer país tem como critério básico o intervalo livre de crises epilépticas.
No Brasil, a regulamentação é realizada pelo Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei n° 9.503, de 23 de setembro de 1997, e a Resolução CONTRAN n° 267/2008, que estabelece normas regulamentadoras para o procedimento do exame de aptidão física e mental.
Existem alguns fatores associados com a redução dos riscos de acidentes automobilísticos relacionados a convulsões e possíveis recomendações para pacientes com epilepsia que dirigem:
Representantes da American Academy of Neurology, American Epilepsy Society and Epilepsy Foundation of America, entre 31 de maio e 2 junho de 1991, estabeleceram critérios para determinar as regulamentações referentes à direção veicular para pessoas com epilepsia. O ILC estabelecido foi de 3 meses, iniciada em relação ao último episódio convulsivo. Nos estados norte-americanos, esse período varia entre 3 meses e 2 anos, sendo o intervalo mais comum o de 1 ano. Foram determinados alguns fatores que podem modificar o ILC, entre eles:
Fatores favoráveis
Fatores desfavoráveis
Do direito:
A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5o, assim expressa os direitos e obrigações de todos os cidadãos brasileiros:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Sobre esta cláusula pétrea é que iremos discutir a solicitação do interessado.
A LEI No 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997, instituiu o Código de Transito Brasileiro. Em vários artigos esse código regula o assunto tratado:
Art. 147. O candidato à habilitação deverá submeter-se a exames realizados pelo órgão executivo de trânsito, na seguinte ordem:
I - de aptidão física e mental;
[...]
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré- requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[...]
§ 11. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida na vigência do Código anterior, será substituída por ocasião do vencimento do prazo para revalidação do exame de aptidão física e mental, ressalvados os casos especiais previstos nesta Lei. (Incluído pela Lei no 9.602, de 1998).
CAPÍTULO XV DAS INFRAÇÕES:
Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.
Parágrafo único. As infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções.
[…]
Art. 252. Dirigir o veículo: [...]
III - com incapacidade física ou mental temporária que comprometa a segurança do trânsito; […]
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.
AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA
2. A avaliação do candidato portador de epilepsia deverá seguir os seguintes critérios:
2.1. O candidato que no momento do exame de aptidão física e mental, através da anamnese ou resposta ao questionário, declarar ser portador de epilepsia ou fazer uso de medicamento antiepiléptico, deverá ter como primeiro resultado “necessita de exames complementares ou especializados” e trazer informações do seu médico assistente através de um questionário padronizado (Anexo I);
2.2. O questionário deverá ser preenchido por um médico assistente que acompanhe o candidato há, no mínimo, um ano;
2.3. Para efeito de avaliação, consideram-se dois grupos:
2.4. Para a aprovação de candidato em uso de medicação antiepiléptica (grupo I), este deverá apresentar as seguintes condições:
2.5. Para a aprovação de candidato em esquema de retirada de medicação (grupo II), este deverá apresentar as seguintes condições:
2.6. Quando o parecer do médico assistente for desfavorável, o resultado do exame deverá ser “inapto temporariamente” ou “inapto”, dependendo do caso.
2.7. Quando considerados aptos no exame pericial, os seguintes critérios deverão ser observados:
O assunto foi discutido na Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia, e foi possível verificar que, apesar da legislação vigente, o tema é negligenciado, o relatório do médico assistente, semelhante ao recomendado no anexo a seguir (autoria da ABRAMET), não é uma prática de todas as unidades da federação. A referida Câmara Técnica chama atenção a esse problema, e estimula aos médicos assistentes, sobretudo aos neurologistas, a confecção de um relatório semelhante ao utilizado em anexo deste parecer, que favorece a redução de riscos na condução de veículos automotores por pacientes com epilepsia, e uma maior uniformidade nas condutas.
Ressalta-se que não há resoluções de trânsito com determinações claras para algumas situações:
um acidente vascular cerebral e traumatismo craniano;
Dessa forma, embora o texto de lei deva ser o norteador básico das decisões sobre as restrições ao ato de dirigir do paciente epiléptico, a opinião médica personalizada deve fazer parte do processo decisório, principalmente se dentro de um contexto colegiado, se possível.
Assim, é demonstrado nos anexos, com modificação de algoritmo decisório descrito por Carvalho e Reis em revista da ABRAMET (2011), os procedimentos para os portadores de epilepsia, no intuito de facilitar as medidas adotadas na condução de veículos automotores por esses pacientes.
CONCLUSÃO
Apesar da evolução científica e do interesse em evitar a discriminação sobre o portador de epilepsia, as determinações para a permissão ou proibição quanto ao ato de dirigir devem estar determinadas em lei.
O Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução n° 267/2008 do CONTRAN são norteadores no caso em tela, e determinam que é fundamental a opinião do médico assistente, estando limitadas ao portador de epilepsia a concessão de carteira B.
Este é o parecer, SMJ. Brasília-DF, 13 de novembro de 2015.
HIDERALDO LUIS SOUZA CABEÇA
Conselheiro-Relator
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